Há dezessete anos, Raimunda da Fonseca procurou
um diagnóstico que a ajudasse a compreender as dificuldades que afligiam
o filho Ayron. Nos primeiros meses de vida, o desenvolvimento de Ayron foi
igual ao dos outros bebês, mas aos dois anos o menino começou a apresentar
comportamentos peculiares.
“Estranhei porque o tempo passava e ele não
aprendia a falar. Ele também parecia não interagir com as pessoas, mas o que
mais me alertou a procurar ajuda foi a questão da fala. Ele era meu primeiro
filho. Eu não sabia direito o que era certo ou errado no desenvolvimento dele”,
conta a mãe.
Depois de várias consultas médicas com diversos
profissionais, dona Raimunda recebeu o resultado. Ayron foi diagnosticado com
Transtorno do Espectro do Autismo, em grau grave, com comprometimento da fala,
da inteligência e dificuldade em manter contato interpessoal.
“Eu não sabia nada sobre a doença. Lembro que na
época o pai dele procurou saber com outras famílias que também tinham filhos
autistas. Foi difícil saber que meu filho ficaria pra sempre daquele jeito.
Chorei muito, mas fui me adaptando” relembra dona Raimunda.
O autismo é um transtorno global do
desenvolvimento marcado por pelo menos três características fundamentais:
incapacidade para interagir socialmente, dificuldade no domínio da linguagem para
comunicar-se e um padrão de comportamento restritivo e repetitivo.
No caso de Ayron, a mãe relata algumas atitudes
do filho que foram melhorando ao longo dos anos de tratamento. “Ele não ficava
quieto por três minutos. Sentava e levantava o tempo todo e ficava girando.
Fazia isso várias vezes sem cansar. O Ayron foi mudando aos poucos o
comportamento. Ele continua muito agitado, mas antes era pior”, avalia a
mãe. “O Ayron gosta de guardar as coisas. Ele sabe organizar tudo. Abre e
fecha as portas dos armários de casa várias vezes. Se alguém fecha qualquer
porta ele fica com raiva. Parece que ouvir o barulho várias
vezes faz bem pra ele”, conta.
Segundo especialistas, os sintomas do autismo
podem aparecer nos primeiros meses de vida, mas dificilmente são identificados
precocemente. O mais comum é os sinais ficarem evidentes antes de a criança
completar três anos. A tendência atual é admitir a existência de múltiplas
causas para o autismo, entre eles, fatores genéticos e biológicos.
Pesquisador da área há oito anos, o psicólogo
João Paulo Nobre, reforça a importância da informação e do diagnóstico precoce
da doença. “Quanto mais precoce a intervenção, menos prejuízos. É importante
que tudo coopere, por exemplo: a idade, a qualidade no atendimento especializado,
a adesão por parte da família”, ressalta o especialista.
O diagnóstico do espectro do autismo é
essencialmente clínico. Leva em conta o comprometimento e o histórico do
paciente e norteia-se pelos critérios estabelecidos por DSM–IV (Manual de Diagnóstico
e Estatística da Sociedade Norte-Americana de Psiquiatria) e pelo CID-10
(Classificação Internacional de Doenças da OMS).
O tratamento para este distúrbio crônico deve ser
introduzido tão logo seja feito o diagnóstico. Existem inúmeras terapias que prometem
um bom resultado. O espectro do autismo abrange pessoas que não conseguem
falar, aos dotados de habilidades geniais. A aplicação do esquema de tratamento
deve ser realizada por uma equipe multidisciplinar geralmente composta por
especialistas em fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicologia e
fisioterapia. Além de psiquiatras e neuropediatras familiarizados com o
problema.
“Não existe tratamento padrão que possa ser
utilizado para todos os pacientes. Cada quadro exige acompanhamento individual,
de acordo com suas necessidades e deficiências. O foco é no principal prejuízo
que a pessoa apresenta. É necessário criar uma comunicação de maneira
funcional. Fazer com que a pessoa consiga expressar o que ela precisa”, explica
o psicólogo João Paulo Nobre.
As manifestações mais graves do autismo exigem
muito cuidado. Muitos familiares chegam ao desespero. Todos passam a viver em
função da criança, em tempo integral. “Quanto mais grave o quadro de autismo,
mais prejuízos para a família toda. Tudo muda. Muitas famílias se desestruturam
totalmente. No final, todos precisam de acompanhamento”, reforça João Paulo
Nobre.
O autismo modificou radicalmente a rotina da
família de dona Raimunda. Após o nascimento do segundo filho, Matheus, de 12
anos, houve mais mudanças. “Deixei de trabalhar. Não tinha como ficar fora de
casa. Quem ia cuidar dele? Hoje tenho uma fonte de renda, mas nada oficial. Meu
segundo filho se acostumou com ele, mas de vez em quando se irrita com o irmão.
Hoje eles conseguem brincar. Isso é uma vitória pra mim”, conta a mãe.
A dona de casa também compartilhou os momentos
mais difíceis da convivência diária em família. “Saber que meu filho nunca me
chamaria de mãe era muito triste. Digo que só consegui superar esse trauma com
o nascimento do Matheus porque pude ouvir alguém me chamar de mãe”, relata.
Nesta quinta-feira, 02, é lembrado o Dia Mundial
de Conscientização do Autismo. A Prefeitura de Belém oferece atendimento aos
portadores do transtorno de desenvolvimento e suas famílias, em três esferas
municipais: saúde, educação e assistência social. Desde 2012, uma Lei federal
determina que o transtorno receba o mesmo atendimento destinado a pessoas com
outros tipos de deficiência. De acordo com o Censo de 2010 realizado pelo IBGE,
15.679 pessoas possuem deficiência mental ou intelectual em Belém, o que inclui
pessoas com autismo.
No bairro da Cremação, em Belém, o Centro-Dia de
Referência, uma unidade do Sistema Único de Assistência Social que oferta o
Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência e suas
Famílias, oferece atendimento gratuito para pessoas com o transtorno. O espaço,
que existe desde 2013, é mantido pela Prefeitura de Belém e gerenciado pela
Fundação Papa João XXIII (Funpapa).
Um dos principais objetivos do espaço é oferecer
atendimento para o autista na fase adulta. “Hoje, a grande maioria dos autistas
adultos não teve atendimento na infância por falta de informação sobre o
transtorno. Essas pessoas cresceram com muitos prejuízos e é isso que tentamos
amenizar da vida delas e das famílias também”, explicou Vanessa Furtado,
terapeuta ocupacional e coordenadora do Centro-Dia de Referência.
Assistência Social:
No Centro-Dia, os assistidos na fase adulta
realizam uma lista de atividades organizadas com o objetivo de dar o mínimo de
independência ensinando as tarefas simples do dia a dia. Usuários a partir dos
18 anos recebem apoio de um técnico de referência em atividades cotidianas como
arrumar-se, vestir-se, comer, fazer higiene pessoal, locomover-se, além de
auxílio para o desenvolvimento pessoal e social, que lhes garanta viver da
forma mais autônoma possível.
Também são prestados orientação e apoio,
inclusive no domicílio, aos cuidadores da própria família, incentivando a
autonomia da pessoa com deficiência e do seu cuidador familiar. Além das
visitas e atendimentos domiciliares, o espaço oferece atendimento
individualizado, acolhimento, e avaliação psicossocial e funcional.
Educação:
Em Belém, 154 alunos, da educação infantil e do
ensino fundamental, com o Transtorno do Espectro do Autismo estão matriculados
em escolas públicas e são atendidos pelo Centro de Referência em Inclusão
Educacional Gabriel Lima Mendes, que faz parte da Secretaria Municipal de
Educação.
O Crie atende exclusivamente os estudantes com
deficiência e oferece o Atendimento Educacional Especializado, além de possuir
todos os instrumentos necessários e uma equipe multiprofissional, composta por
psicopedagogos, pedagogos, assistentes sociais, entre outros, que garantem ao
aluno um melhor desenvolvimento, observando a limitação de cada um.
O Espectro do Autismo apresenta graus
diferenciados, como do mais leve ao mais severo. E, para estimular a
participação dos alunos dentro da escola e no currículo escolar, atividades
recreativas, lúdicas e artísticas são realizadas nos espaços amplos da escola,
como por exemplo, nas quadras escolares. Outro atendimento diferenciado
oferecido aos autistas e suas famílias é o acompanhamento familiar.
“O atendimento a alunos com o Espectro do Autismo
deve ser visto de maneira diferenciada. Nestes casos, a metodologia utilizada
deverá ser composta de atividades recreativas, lúdicas, artísticas e até mesmo
esportivas, com a prática da natação. Tudo para que a criança descubra o seu
potencial. E nós, do Crie, também possuímos um diferencial ao fazer o
acompanhamento familiar dos alunos através das visitas domiciliares, onde o
objetivo é saber como eles se comportam dentro de casa e fortalecer a parceria
entre a escola e a família”, enfatizou a coordenadora do Crie, Denise Costa.
Saúde:
A Secretaria Municipal de Saúde de Belém (Sesma),
dispõe atendimento nas Unidades Municipais de Saúde, acompanhadas pelas equipes
Estratégia Saúde da Família (ESF) e Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf).
Já rede de atenção especializada municipal à
pessoa com deficiência intelectual, compõe-se nas Casas Especializadas (Casa
Recriar e Centro de Atenção Psicossocial Infantil – Caps I) e na Rede
Conveniada (Clinica Saber, CER II-Centro de Saúde do Marco/Uepa, Apae Belém
e Hospital Universitário Bettina Ferro de Sousa, através do Projeto
Caminhar.
De acordo com Andrea Baker, coordenadora da
Referência Técnica da Pessoa com Deficiência da Sesma, as unidades de saúde
estão de portas abertas para o atendimento inicial e, quando há a necessidade,
o paciente é encaminhado para o atendimento especializado via regulação da
Sesma.
“Nossa rede especializada possui espaço
terapêutico, que conta com o serviço de uma equipe multiprofissional em
reabilitação, tais como terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, fonoaudiólogo,
assistente social, psicólogo, médicos, dentre outros para proporcionar um
atendimento digno e que realmente tenha resultados na vida da pessoa com
deficiência intelectual”, explica Andrea.
A Sesma também tem investido na capacitação de
servidores para o atendimento à pessoa com autismo. “A proposta é capacitar a
rede de atenção primária e especializada a fim de atender da melhor forma as
pessoas com autismo que procuram o serviço de saúde municipal. Estamos também
elaborando o plano de ação da rede de cuidado da pessoa com deficiência, em
fase de criação do grupo condutor municipal e a formulação do desenho do fluxo
de atendimento da pessoa com deficiência, que inclui a pessoa com autismo”,
ressalta a coordenadora.
Para dona Raimunda, a história do filho é
considerada uma vitória no diagnóstico e tratamento precoce do autismo. “Hoje o
Ayron é atendido em vários lugares por muitos profissionais. Ele faz natação,
terapia ocupacional, frequenta uma escola especial, faz tratamento com
fonoaudiólogo, e outras atividades. Busquei dar a ele essa autonomia. O laudo
médico da doença do meu filho assusta, mas se hoje ele tem um bom comportamento
é graças ao atendimento especializado”, comemora a mãe.
No próximo dia 12 de abril, órgãos municipais
ligados ao atendimento de pessoas com autismo se reúnem em uma ação a Praça
Batista Campos realizada pela Organização Não Governamental Amora (Atenção
Multidisciplinar ,Orientação e Respeito para o Autismo). O evento inicia às
9h.
Texto: Denise Soares
Foto: Arquivo-Agência Belém
Fundação Papa João XXIII (FUNPAPA)
Foto: Arquivo-Agência Belém
Fundação Papa João XXIII (FUNPAPA)
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